O chute da vida

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Em um país de muitos homens que abandonam mulheres e crianças a própria sorte, o que não dizer dos jogadores pobres onde a maioria se criaram sem pais e mesmo assim não desistiram de vencer. Fico a imaginar o porquê se cobra tanto de um jogador, se muitas vezes jogamos mal na vida tanto quanto eles. Se condenam quem ganha muito por chutar uma bola, mas não se condenam quem enriquece sem trabalhar no mercado de capitais. No fim de semana passado, o jogador Romelu Lukaku da seleção belga, do Manchester United, apontado como uma das maiores revelações do futebol belga nos últimos tempos, candidato a melhor jogador da Copa do Mundo, nos dá um exemplo de superação revelando seus dramas de infância. Diz ele: “Tenho algumas coisas a dizer”…
Eu tinha seis anos de idade e cheguei de casa para almoçar durante o intervalo da escola. Minha mãe me dava a mesma coisa todos os dias: pão e leite. Quando você é uma criança, nem pensa sobre isso. Mas acho que era tudo que podíamos comprar. Naquele dia, eu cheguei em casa e entrei na cozinha e vi minha mãe na geladeira com uma caixa de leite, como sempre. Mas, naquela vez, ela estava misturando algo. Ela estava balançando, sabe? Eu não entendi o que estava acontecendo. Ela me trouxe o almoço e estava sorrindo, como se tudo estivesse bem. Mas eu percebi na hora o que estava acontecendo. Ela estava misturando água no leite […] estávamos não apenas pobres, mas quebrados. Meu pai havia sido um jogador profissional de futebol, mas estava no fim da sua carreira e não havia mais dinheiro […] chegava em casa à noite e as luzes estavam apagadas […] eu queria tomar banho, e não havia mais água quente. Minha mãe esquentava a chaleira no fogão, e eu ficava em pé no chuveiro jogando água quente na minha cabeça com um copo. Houve ocasiões em que minha mãe precisava pedir pão “emprestado” na padaria no fim da rua. Os padeiros nos conheciam, eu e meu irmãozinho, então deixavam que ela pegasse uma fatia de pão na segunda-feira e pagar apenas na sexta. Eu sabia que tínhamos problemas. Mas, quando ela estava misturando água no leite, eu percebi que já era, sabe? Essa era nossa vida. Eu não disse uma palavra. Não queria estressá-la. Eu apenas comi meu almoço. Mas eu juro por Deus, eu fiz uma promessa a mim mesmo naquele dia. Era como se alguém tivesse estalado os dedos e me acordado. Eu sabia exatamente o que precisava fazer e o que iria fazer. Eu não podia ver minha mãe vivendo daquele jeito. Não, não, não. Eu não aceitaria aquilo. As pessoas no futebol amam falar sobre força mental. Bom, eu sou o cara mais forte que você vai conhecer. Porque eu me lembro de me sentar no escuro com meu irmão e minha mãe, rezando, e pensando, acreditando, sabendo… que um dia aconteceria. Não contei minha promessa para ninguém por um tempo. Mas, alguns dias, eu chegava em casa da escola e encontrava minha mãe chorando. Então, eu finalmente a disse um dia: “Mãe, tudo vai mudar. Você vai ver. Eu vou jogar futebol!…
Enfim, o sangue do futebol belga com ele é igual ao nosso com o Pelé, lindamente africano.