A parteira do atraso

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Aprendi de guri que os alunos mais dedicados aos estudos eram aqueles que disputavam – disputavam mesmo – os primeiros lugares da turma. Eu não estava na estressada Coreia do Sul do século 21 e em nenhuma metrópole dominada pelo liberalismo, mas em Santana do Livramento.  Ninguém, na turma, sonhava com ser um bamba entre os tigres asiáticos. Éramos apenas meninos e meninas dos anos 50, numa cidade interiorana no extremo sul do Brasil. Mas estudávamos pacas, disputávamos notas. E, assim, aprendíamos muito.

         Aquela experiência escolar, vivida no antigo curso primário – hoje  ensino fundamental – valeu-me para a vida. Compreendi então, ainda em calças curtas, que o progresso e o sucesso têm tudo a ver com esforço e quanto maior ele for, maior será a recompensa. Foi o que me tornou resoluto adepto da valorização do mérito. A União Soviética, a extinta URSS, exigiu muito empenho dos Estados Unidos para acompanhar seus avanços tecnológicos na corrida armamentista e espacial. Por quê? Porque havia muita coisa em jogo. O resto do país era um retrato do fracasso comunista, mas havia na URSS um nível de excelência nesses dois conjuntos de atividade.

         Cuba, não deixava por menos. Seus atletas costumam ser feras em competições internacionais. Por quê? Porque na sociedade cubana, na Cuba da libreta “provisória” de racionamento, que já conta 60 anos de existência, os atletas têm acesso a proteínas que o restante da população não consegue comprar. Nos países comunistas, o mérito esportivo alivia os penares da existência. Ademais, a vitória esportiva é instrumento de propaganda de regimes que sobrevivem à custa da propaganda. Resumindo: em países sob regime totalitário de viés marxista podem surgir áreas de excelência, mas isso só ocorre se há algo sendo disputado.
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         Dirigente de um sindicato de servidores, em nota sobre o projeto de Reforma Administrativa enviada pelo governo ao Congresso, declarou: “Precisamos nos mobilizar contra essa proposta vergonhosa, que retira direitos dos futuros servidores públicos, com avaliações duvidosas para obtenção de estabilidade e aposta na meritocracia, prática antidemocrática e perigosa para a administração pública”.

Ou seja, que tudo fique como está ainda que a sociedade permaneça superonerada e mal atendida. A avaliação de desempenho, tão comum nas empresas privadas, é habitualmente recusada no serviço público sob a alegação de que grupos diferentes e indivíduos diferentes são incomparáveis em suas circunstâncias, limitações e possibilidades. Todos deveriam receber um bom salário e ponto final. Confunde-se avaliação de desempenho com comparação entre pessoas.

         Não preciso dizer em que ponta do time joga a autora da declaração. Sua tese tem tudo a ver com o pensamento que subtrai quanto pode de quem produz muito e transfere para quem produz pouco até que ninguém produza mais (não estou negando a necessidade de políticas sociais). As consequências teoricamente previsíveis são bem verificáveis na vida real. Mas a tese tem penetração e acolhimento porque, apesar da profunda perversão que produz, se reveste com o manto de suposta justiça, bordado nas cores da benevolência.  No fundo é a tal absorção da ideia de justiça pela de igualdade.

         Portanto, quando se automatizam as promoções funcionais, desvinculando-as do merecimento, quem resulta automatizada é a mediocridade. No mundo de qualquer época, a mediocridade é parteira do atraso. Queira Deus que o Congresso Nacional perceba que suas  responsabilidades têm prioridade sobre seus interesses eleitorais!