Moro nega que projeto anticrime signifique licença para matar

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O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, durante entrevista coletiva, após reunião com governadores e secretários estaduais de Segurança Pública para apresentar o Projeto de Lei Anticrime.

A proposta do projeto de lei anticrime que o governo federal apresentará ao Congresso Nacional, em breve, fará mudanças nos códigos Penal e de Processo Penal para, nas palavras do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, “caracterizar” a legítima defesa. Na prática, o projeto estabelece que juízes poderão reduzir pela metade ou mesmo deixar de aplicar a pena para agentes de segurança pública que agirem com “excesso” motivado por “medo, surpresa ou violenta emoção”.

“Não estamos ampliando a legítima defesa. Estamos apenas deixando claro, na legislação, que determinadas situações a caracterizam”, comentou o ministro, negando que a subjetividade do texto apresentado hoje (4) sirva de estímulo para que agentes de segurança pública atuem com violência desmedida e desnecessária.

“O que a proposta faz é retirar dúvidas de que aquelas situações específicas ali descritas caracterizam a legítima defesa”, acrescentou Moro, negando tratar-se de uma licença para agentes públicos matarem sob a justificativa de terem sido ameaçados ao cumprindo suas funções.

>> Veja íntegra do projeto de lei

“Muitas vezes, em situações de legítima defesa, o excesso pode decorrer de uma situação peculiar de medo, surpresa ou violenta emoção”, explicou o ministro a jornalistas, logo após se reunir com governadores, vice-governadores e secretários de Segurança Pública com quem discutiu os principais pontos do pacote de mudanças legais para tentar reduzir a impunidade e os crimes violentos, de corrupção ou praticados por facções criminosas.

“O que estamos colocando é que a legítima defesa já está [prevista] no Código Penal. A legislação estabelece que se alguém age em legítima defesa não responde pelo crime, mas sim pelo excesso doloso [com intenção de matar] ou culposo [sem intenção de matar]; se a pessoa excedeu ou não o exercício da legítima defesa”, declarou Moro, argumentando que a proposta do governo só regulamenta algo que, segundo ele, “na prática, os juízes já fazem”.

O projeto também admitirá como legítima defesa as situações em que, durante um conflito armado ou diante de risco iminente de conflito armado, um agente de segurança pública atue para prevenir “injusta e iminente agressão contra si ou contra terceiros”, bem como para prevenir que vítimas mantidas reféns sofram “agressão”.

Com Agência Brasil/Alex Rodrigues

Entidades da sociedade se manifestam sobre projeto de lei anticrime

Após a divulgação do projeto de lei anticrime do governo federal elaborado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, diversas entidades da sociedade civil se posicionaram sobre o teor do texto. As reações variaram de elogios a críticas, passando pela defesa de debates profundos sobre as mudanças propostas na matéria, que seguirá para avaliação do Congresso Nacional.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) informou que irá realizar um “estudo profundo e abrangente” de cada uma das medidas previstas no pacote. O presidente da entidade, Felipe Santa Cruz, defendeu que a análise do projeto deve ser realizada observando a Constituição, preservando o devido processo legal e com grande debate no conjunto da sociedade.

“Tão forte quanto o desejo de conter a escalada da violência e da impunidade é o desejo de realizarmos tal tarefa como uma sociedade justa, democrática e moderna que reconhece a importância dos direitos fundamentais e o respeito ao devido processo legal. Não podemos cair no equívoco de supor que será possível resolver os complexos problemas da segurança pública apenas com uma canetada. É fundamental que um projeto dessa abrangência seja debatido a luz da Constituição Federal”, afirmou Santa Cruz em comunicado divulgado no site oficial da OAB.

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública também entendeu que a proposta merece uma “análise mais aprofundada”. O combate à lavagem de dinheiro foi pontuado como necessário, mas insuficiente para “frear a escalada do crime organizado e, principalmente, da criminalidade violenta”. A entidade lamentou que propostas anteriores, como o Plano Nacional de Segurança Pública editado pelo governo federal no ano passado, não tenham sido consideradas. E apontou lacunas no conteúdo da matéria.

“O projeto ignora temas importantes para o setor, como a reorganização federativa, o funcionamento das polícias – e suas carreiras e estruturas -, governança, gestão ou sistemas de informação ou inteligência. Também não há clareza sobre ações dos governos estaduais e da União no enfrentamento da corrupção policial, que é um dos aspectos que contribui para o surgimento de milícias”.

Elogios e críticas

A Associação de Juízes Federais (Ajufe) classificou o PL como “bastante positivo” e contemplando “diversos pontos defendidos há alguns anos pela Ajufe”. Entre eles, a prisão após condenação em segunda instância. Alguns pontos, como a mudança do papel da confissão de crime no processo legal, ainda precisam ser aperfeiçoados, acrescentou a associação. “De modo geral, o projeto formulado pelo Ministério da Justica é essencial para tornar mais efetivo o processo penal, em sintonia com a agenda de combate à impunidade”, avaliou Fernando Mendes, presidente da Ajufe.

A Defensoria Pública do Rio de Janeiro viu com “preocupação” o teor do texto. O órgão avalia que determinadas propostas vão contra princípios constitucionais como presunção de inocência, individualização da pena e e devido processo legal. “Um projeto que se propõe a aumentar a eficiência do sistema de Justiça não pode enfraquecer o legítimo e regular exercício do direito de defesa, nem esvaziar garantias fundamentais. É dever das instituições a preservação de tais pilares do Estado Democrático de Direito”, afirma a Defensoria em nota sobre o tema.

A organização Conectas Direitos Humanos, com atuação na área de segurança pública, afirmou que o projeto traz soluções “antigas” com efetividade questionável na redução da violência, como o aumento de pena, a criminalização de novas condutas e o inchaço do sistema prisional. A entidade criticou a possibilidade de o policial não ser responsabilizado por mortes em serviço. “Este pacote cria uma legitimação de mortes praticadas pela polícia, o que é muito preocupante. A polícia brasileira é uma das que mais mata e mais morre no mundo, e proposta reforça letalidade policial, de combate ao inimigo”, avalia o coordenador do Programa de Violência Institucional da organização, Rafael Custódio.

Projeto

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, apresentou nesta segunda-feira (4) o Projeto de Lei Anticrime que será enviado ao Congresso Nacional. O projeto prevê propostas de alterações em 14 leis, como Código Penal, Código de Processo Penal, Lei de Execução Penal, Lei de Crimes Hediondos, Código Eleitoral, entre outros. “O objetivo é combater de forma mais efetiva a corrupção, crimes violentos e o crime organizado, problemas enfrentados pelo país e que são interdependentes”, diz o ministério.

Algumas das propostas são que as organizações criminosas mais violentas passem a ser identificadas e nomeadas em lei e o início do cumprimento de penas logo após a condenação em segunda instância. 

Outra proposta é que juízes poderão reduzir pela metade ou mesmo deixar de aplicar a pena para agentes de segurança pública que agirem com “excesso” motivado por “medo, surpresa ou violenta emoção”.

Com Agência Brasil/Jonas Valente